Do Cafofo do Dezena - Crônica Viva - Olha o Leão 2p5u5a


Dos dez irmãos, oito poderiam ter me dado a preciosidade. Toninho e Tarcísio, com meu pai e minha mãe, aram para outro plano.
Em testamento? Sim, verdade, mas não o fizeram. Depois, testamento me lembra imposto a pagar. Arrepia. O exemplar, que tenho em mãos, cheira à tinta de offset, encadernado em capa dura e saído da Nova Fronteira. Traz o aviso: Edição Especial e Limitada. Para dizer a verdade, nos dias de hoje, não acredito em edições limitadas.
O boneco de antigamente fica guardado na nuvem. Como pode? E, se as vendas disparam, é só dar um Ctrl+P. Pronto, num instantinho está nas mãos dos leitores. Mas que leitores existem hoje?
Rodar as páginas do TikTok é muito mais emocionante do que as repletas de palavras. Frente à televisão, controle em punho, pipoca ao lado, maratonar séries e séries, despreocupado com a vida. Isso, sem imaginar que o enredo esteve um dia impresso. Certamente, algum valor, têm. Não se irem, até a mais reles delas já foi um dia um projeto no papel. E algumas são fantásticas.
Dia desses, assisti a um homem, no litoral espanhol, tomar um raio na cabeça e não morrer. Ao contrário, virou um super-homem capaz de ver o futuro e, pior, modificar o presente para que o futuro não acontecesse. Que imaginação têm certos escritores. Fico abismado. No mais, nem Gogol, que criou o homem que perdeu o nariz e saiu à sua procura, acreditaria nas invencionices de hoje.
Leitura, TikTok, séries: esta não é a realidade. Ela me aguarda, daqui a pouco, quando preencherei a declaração do Imposto de Renda. A cada dia, mais faminto, mais insaciável, mais perigoso. Diz um ditado: devemos ter velocidade para correr mais do que os nossos amigos, nunca conseguiremos correr mais do que o leão.
No caso do IR, não acredito que adiante correr. Conto: não sei se por descuido ou inconsciente desejo de calotear, não paguei a última parcela do ano de 2024. Acredite se quiser mandaram-me um boleto preenchido com o valor acrescido de multa e juros. Ora, bolas, agora junta a parcela de 2024 com as novas de 2025. Não há Cristo que aguente.
Ficará para outra vez o jantar na Famíglia Mancini. Enquanto o leão ruge na porta com seus boletos e juros, eu fecho o livro devagar  porque com Tchekhov, ao menos, a mordida é sempre inteligente.
 
Fernando Dezena
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